sexta-feira, 5 de abril de 2013

O trabalho doméstico e a sombra cultural da escravidão

O trabalho doméstico mantem resquícios escravocratas 

No texto anterior, quando escrevi sobre o “caso Joelma”, comentei sobre o espírito elitista que paira sobre nosso país. Ontem, voltei a pensar em tal assunto, quando no meio de uma conversa durante o almoço, o assunto sobre a PEC das domésticas entrou na roda. E pude perceber que esse espírito se revela maior e mais forte em nossa sociedade, e carregado de heranças escravocratas (eu sei que o termo é forte, mas nesse caso não tenho como utilizar outro).

Porque só essa mentalidade antiga e ultrapassada para explicar que uma sociedade acredite que nós, os membros da classe média/alta culta e esclarecida, é digna demais para executar certas tarefas. Que atividades domesticas são para subalternos inferiores, que nosso belo corpinho deve ser usado para coisas mais elevadas do que fazer faxina.E mais, que existam inúmeros dessas pessoas inferiores, que são designadas por Deus, ou pela sociedade, para realizar tais tarefas e ainda estar a nossa plena disposição para nos servir. E, por fim, achar natural pagarmos muito pouco (ou quase nada) para essas pessoas que deixam de lado suas vidas pessoais, desejos e vontades, para estar à disposição dos mandos e desmandos dos "superiores".

No meio do turbilhão, os elitizados, finos, chiques e refinados se deparam com o absurdo de o governo tomar medidas para que os trabalhadores domésticos tenham os mesmo direitos que todos os outros tipos trabalhadores. Indignação no ar! Meios e tentativas de tentar burlar o sistema e não pagar todos os direitos garantidos por lei. Afinal, o Brasil é o país do jeitinho! Somos treinados a tentar enganar os sistemas, mas somos incapazes de varrer um tapete. Só pensamos em como esconder nossas sujeiras debaixo dele.

Mas esse pensamento é meramente uma questão cultural. Eu sou um exemplo disso!

No período de minha pós-infância, pré-adolescência, mesmo quando as vacas de casa eram mais gordinhas, nunca tivemos empregada. E mais: eu sabia que às segundas feiras, minha função ao levantar era tirar o pó e passar aspirador na sala, no meu quarto e no quarto dos meus pais. Enquanto isso, minha mãe se ocupava em lavar as roupas de nós quatro. Após ter minhas tarefas realizadas, tomava banho, almoçava, a tarde ia pra escola, e fazia todas as coisas que toda pessoa de 12, 13 anos faz. O mesmo acontecia com minha irmã, que também tinha suas tarefa no horário inverso ao que estudava. Nessa época também aprendi a cozinhar, a pregar botão, costurar... Nunca me senti menos homem ou inferior a ninguém por realizar tais tarefas. E minha mãe (minha grande heroína) não teve a inciativa de incentivar a gente a fazer tais serviços apenas para diminuir sua carga de trabalho de dona de casa. Ela estava tentando criar pessoas melhores. E acho que ela conseguiu.

A imagem de Debret ainda se reflete nas casas brasileiras do século XXI
Anos mais tarde, aos 20 anos, quando fui morar sozinho definitivamente, com a verba mais curta todo mês, era natural a tendência de eu mesmo limpar a casa onde morava, cozinhar minha própria comida e remendar minhas próprias roupas.

Hoje, depois de constituída uma nova família, numa casa com dois homens adultos, também não temos doméstica. E não me sinto menos digno ou inferior por passar um pano no chão ou por esfregar uma privada.Privada aliás que onde eu mesmo mijo.  Me sentiria menos digno se ficasse no twitter fazendo piadas sem graça com a Daniela Mercury (um beijo, Rafinha Bastos!).

E principalmente: comemoro quando são aprovadas leis que tornam a sociedade um pouquinho mais igualitária... As conquistas de alguns é sim, a conquista de todos!

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